quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sob Lina, Receita ‘maquiou’ os dados da fiscalização

Lavrado em 2008, auto de R$ 4,1 bi foi lançado em 2009

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A superintendência da Receita em São Paulo submeteu as estatísticas do setor de fiscalização a uma maquiagem.



Uma infração bilionária lavrada em dezembro de 2008 foi lançada na base de dados do fisco em janeiro de 2009.



Graças à manobra, vendeu-se à platéia gato por leão. Informou-se que, sob a ex-secretária Lina Vieira, o fisco apertara o cerco aos grandes contribuintes. É lorota.



A digestão de estatísticas é coisa que a maioria dos estômagos prefere refugar. Ainda asssim, vai abaixo uma tentativa do repórter de mastigar a encrenca:



1. Mega-infração: No dia 29 de dezembro de 2008, a superintedência da Receita em São Paulo lavrou contra o banco Santander um auto de infração de R$ 4,168 bilhões.



2. Maquiagem: O valor deveria ter sido contabilizado no ano passado. Porém, foi empurrado para o exercício de 2009. Desceu à base de dados do fisco em janeiro.



3. Tônico: Ao deslocar a multa do Santander de um ano para outro, o escritório da Receita em São Paulo vitaminou as estatísticas dos primeiros oito meses de 2009.



Sem os R$ 4,168 bilhões da multa imposta ao banco, as infrações lavrados no maior Estado do país somariam, entre janeiro e agosto de 2009, R$ 9,88 bilhões.



Vitaminadas pela multa bilionária, as autuações de 2009 saltaram, em S~çao Paulo, para R$ 14,05 bilhões.



Considerando-se o país inteiro, o total de multas pulou de R$ 26,9 bilhões para R$ 31,1 bilhões.



4. Lina versus Rachid: Ao tingir 2009 com o ruge do Santander, o fisco fez esmaecer os resultados do primeiro semestre de 2008. Para quê?



Na primeira metade de 2009, a Receita era chefiada por Lina Vieira. Foi demitida em julho. No mesmo período de 2008, o chefe do fisco era Jorge Rachid.



Entre janeiro e agosto do ano passado, ainda sob Rachid, a Receita lavrara em São Paulo autos de R$ 9,8 bilhões. No Brasil, R$ 34,3 bilhões.



5. Gato por leão: Tomado pelo resultado maquiado, o fisco de Lina teria registrado em São Paulo um incremento nas fiscalizações de notáveis 43%.



Tomado pelo dado real, escoimado da multa do Santander, o aumento no volume de autos de infração cai para irrisórios 0,55%. Na prática, um empate com a era Rachid.



Considerando-se os números do país inteiro, o resultado é desfavorável a Lina tanto no cenário maquiado quanto no real.



Com a vitamina do Santander, registrou-se nos primeiros oito meses do ano uma queda de 9,32% no total nacional de infrações. Sem o tônico, queda de 21,46%.



6. Arrocho nos tubarões: Nas pegadas da demissão de Lina, vendeu-se a tese de que a secretária fora ao olho da rua porque incomodara os grandes contribuintes.



Dizia-se que o cerco ao tubaranato havia sido incrementado especialmente na superintendência de São Paulo, a maior do país. Falso.



Sob Rachid, o fisco de São Paulo impusera aos chamados grandes contribuintes R$ 6 bilhões em multas entre janeiro e agosto de 2008.



No mesmo período de 2009, a maior parte dele sob Lina, a cena da fiscalização é uma com o Santander e outra sem ele.



Anabolizado pela multa do banco, o resultado da ficalização no nicho dos grandes contribuintes de São Paulo foi de R$ 8,5 bilhões –aumento de 42%.



Suprimindo-se o anabolizante do Santander, as infrações impostas ao tubaranato paulista na era Lina cai para R$ 4,3 bilhões. Queda de 27% em relação a 2008.



7. Falta de foco: Em verdade, nos primeiros oito meses de 2009, o fisco de São Paulo impôs mais multas às pequenas e médias empresas –R$ 4,8 bilhões— do que às grandes.



Sob Rachid, entre janeiro e agosto de 2008, as multas lavradas nesse mesmo nicho haviam somado R$ 2,8 bilhões. Ou seja, houve, na era Lina, um incremento de 72% no avanço sobre os contribuintes de menor porte.



8. Transparência de cristal cica: Há no portal mantido pela Receita na internet um espaço dedicado à exposição dos dados relativos à fiscalização.



Clicando-se aqui, você chega ao endereço. Passeando com o mouse, vai notar que há dados disponíveis de 2002 a 2007.



A quatro meses do final do ano de 2009, não há vestígio das informações relativas a 2008, o ano da maquiagem. É uma falta de transparência inédita no fisco.



9. Processo 16.561.000.222/2008-72: É esse o número do processo em que o fisco tenta cobrar R$ 4,168 bilhões do Santander Holding.



Há no portal da Receita uma janela chamada “comprot”. Basta esvrever ali o número do processo para realizar uma pesquisa que leva à data da multa: 29/12/2008.



10. Decadência: O auto de infração do fisco contra o Santander refere-se à aquisição do Banespa. Um negócio de 2001.



Em sua defesa, protocolada no fisco em 28 de janeiro passado, um mês depois de a infração ter sido lavrada, o Santander invoca o princípio da decadência.



Significa dizer que, para o devedor, a Receita não poderia cobrar alegados débitos que tenham como fato gerador um negócio feito há mais de cinco anos.



Ao lançar a infração de 2008 em 2009, o fisco como que oferece munição adicional ao suposto devedor.

Escrito por Josias de Souza às 03h15